Identificação. A infância, dividida entre o futebol com os amigos e o gosto pelos autoramas. As idas à loja de seu pai nos meses de férias escolares, onde tomava conta da porta e, aos 14 anos, auxiliava no estoque de roupas. Relato de como comprou umas das lojas do pai em sociedade com as irmãs, ainda nos tempos que fazia faculdade de Engenharia. As alterações em suas atribuições dentro da loja. As transformações do perfil comercial do bairro do Brás e de seus clientes. O impacto da presença dos vendedores ambulantes.
História:
“Nasci na Rua do Gasômetro, mas acho que morei lá por menos de um ano. Depois minha mãe, conseguiu um empréstimo junto ao professorado paulista, que tinha uma linha de crédito para os professores, e aí então meu pai comprou uma casa na Alameda Jaú. A Jaú, na época, não era o valor do metro quadrado que é hoje; ali do lado da Avenida Paulista e tal.
Quase sem juros, aquilo era um negócio da China. Hoje seria uma fortuna! Então, na verdade, eu morei toda minha infância ali na Alameda Jaú. A minha mãe trabalhava como professora meio período e ajudava no estoque da firma no outro período. Tinha sempre alguém que ajudava na limpeza da casa, uma empregada. Teve a Marieta, depois teve a Maria Auxiliadora.
E a gente estudava ali pelos arredores também. Fim de semana às vezes descia para o Ibirapuera, ia de bicicleta e voltava. Eu e os meus amigos jogávamos futebol ali no parque. Não era permitido jogar na grama, e a gente tinha que ficar esperto com os guardas, porque se eles pegassem a molecada ali, furavam a bola. Minha infância foi mais ou menos assim. A gente tinha um vizinho que tinha autorama, aqueles carrinhos.
Até na Rua Augusta tinha um lugar que era especializado. Não sei se ainda existe, mas eles vendiam carenagem, rodas, contato, um monte de coisa assim. Às vezes, quando sobrava um pouquinho da mesada, a gente ia lá de bicicleta e brincava. Tinha a pista e você dava voltas lá com o carrinho. E foi mais assim: bicicleta, futebol, autorama. Nas férias a gente ia para Santos. O meu pai tinha um apartamento alugado na praia do Gonzaga que ele cedia para os funcionários quando se casavam; para a lua de mel dos funcionários.
Ou às vezes sorteava para um fim de semana no verão. E, quando o apartamento não estava em uso, a gente ia. Passava quase um mês lá! Tinha um pessoal que a gente conhecia e também era futebol na praia, bicicleta. Mas isso não podia durar para sempre, e eu fui começando a trabalhar também. Quando eram as férias de dezembro, a gente ia de casa até o Brás e ficava pelo menos meio período, porque nessa época de Natal o movimento aumenta bastante. Eu ficava na banca, nas portas. Tomando conta de porta.
E depois, com 14 anos, já na adolescência, passei a ir diariamente. Ficava no escritório. Aí tinha que fazer o relatório, bater o caixa, essa parte bem simples. Depois passei para o departamento pessoal, registrar funcionários, até chegar em homologações.Porque a empresa chegou a ter quatro filiais, então tinha contabilidade própria, estoque, essas coisas. E eu era auxiliar de escritório, vamos dizer assim; office-boy também. O que precisasse.”
Dona Myriam, diga o seu nome completo, por favor. Pois não. Myriam Andreozzi. Local e data de nascimento? Primeiro de setembro de 1935, em São Paulo. O nome dos seus pais? Alfredo Andreozzi e Luiza Tartaglioni Andreozzi. E a atividade deles? Meu pai era músico e a minha mãe, do lar. E seus avós, a senhora se lembra do nome deles? Lembro. Do paterno era Miguel Andreozzi e Vitalina Caserta Andreozzi. Da parte de minha mãe, era Ana Vitali Tartaglione e Luiz Tartaglione. E da atividade deles, a senhora se lembra? Não lembro. Disso, eu não lembro. E qual a origem da sua família? Eles vieram de onde? De Nápoles. São italianos. Todos. Os dois lados. Como era a sua casa da infância? (risos) Era uma casa muito alegre. Eu fico até comovida. (choro) Desculpa, mas a gente se comove. Conta como era. Era uma casa grande. Morava os meus dois avós. Morava umas tias também. Naquela época era assim, as residências eram muito grandes e os filhos casavam e ficavam junto.
Onde ficava essa casa? Na Rua Campos Sales que é uma travessa aqui da Piratininga ,aqui no Brás. E a minha avó, mãe da minha mãe, era parteira. Então, nascia os filhos dela e os netos em casa. E o pessoal do bairro chamava a minha avó também que era parteira, ela atendia o pessoal. Ela tem aqui no Brás muitos... Era madrinha deles. Tem muitos afilhados. Ela fazia o parto e depois era madrinha deles também. Era conhecida como dna. Ana parteira. Então, a minha casa estava sempre cheia de gente. Era sempre muito alegre. Com as minhas primas, tudo. Era muito alegre. Como era alegre o bairro. O bairro do Brás era muito alegre.
Por que era alegre? Alegre porque não tinha tanta indústria. Tinha muitas residências e muitos italianos e espanhóis. Eram mais famílias, então se reuniam nas noites de calor. Todo mundo nas portas. Faziam festas de São João, de São Pedro, a gente fazia fogueira. Fazia até churrasco na rua. Tinha sanfona, dançavam porque não tinha tanta violência como tem hoje em dia. Então, a gente tinha muitas amizades boas. E nos encontrávamos. Era tudo muito alegre. Todas as casas eram alegres. E dentro da casa, também era alegre? Era alegre. Tínhamos o meu avô e a minha avó. Tinha a minha tia e o meu tio, mais dois irmãos da minha mãe, minha mãe, tinha alguns casais... A casa era muito grande, então tinha muita criança e o pessoal brincava.
Era muito alegre. Era tudo muito unido. Então, nós tínhamos sempre alegria em casa. Nunca tinha tristeza. Ouvíamos o rádio, porque naquela época não tinha televisão, não tinha nada. Na época de frio, o meu avô colocava nessas latas de óleo de 18 litros, punha carvão e fazia aquele fogo, sabe? Sabe aquelas brasas, e nós ficávamos todos em volta. Ele ficava contando histórias para a gente. Eu me lembro disso como se fosse hoje. Muitas histórias, tipo essas histórias infantis que a gente até hoje conhece. E ele contava para todos nós. Para todos os netos que estavam lá. Então, a gente tinha alegria.
E ele contava também histórias da Itália? Da Itália muito pouco. Da Itália, ele contava pouco. Ele veio mocinho para cá, mas contava muito pouco. Por acaso você se lembra que história infantis ele mais contava? Eu não tenho lembrança, porque já fazem tantos anos... A Branca de Neve sempre, né? Era a primeira. A Branca de Neve era a primeira, a história das mais conhecidas que a gente tem, mas de outras histórias que ele contava, essas eu não me lembro mais. Como era a hora das refeições em família? A gente esperava os meus tios, o meu pai quando era para almoçar. Nós esperávamos né? Quem ia na escola de manhã, quando chegava. Então, nós almoçávamos todos juntos. Tinha esse costume? Tinha esse costume.
E a noite também, na janta. Tinha o costume de todos sentarem à mesa e almoçar e jantar todos juntos. Um esperava o outro. A divisão dos lugares na mesa, tinha alguma característica? Não, não tinha. Era uma mesa muito grande. Então, a gente ia e sentava. E quem trazia a comida para a mesa? Eram a minha mãe, as minhas tias que levavam para a mesa a comida. Elas faziam, levavam da cozinha para a sala que era a sala de jantar, com aquela mesa enorme. Nós ficávamos na sala... Qual era a comida mais frequente nas refeições? Macarrão, né? (risos) Todo dia? Não, não. Todo dia, não. Era na quinta e no domingo o macarrão. Era tradicional, arroz, feijão, ervilha, sopa de grão de bico. Tinha essas coisas assim. Bife a milanesa, berinjela parmegiana, as porpetas, as bracholas, pastel. (risos) Pastel, elas faziam também. A minha mãe fazia muito pastel. Eles gostavam. E a sobremesa, tinha sobremesa? Tinha. Era sempre pudim, bolo, um doce de abóbora. (risos) Como você descreveria o seu pai e a sua mãe?
Como eles eram? Eles eram muito bons. Souberam criar os filhos direitinho, com educação. Nós tínhamos muito respeito, como eles tinham com a família deles. Os próprios irmãos dos meus pais, todos eles se chamavam de senhor. Os cunhados chamavam as cunhadas de senhora. Tinha aquele respeito. A gente ia visitar a minha outra nonna que não morava junto... Que era nonna, né? Morava aqui na Piratininga e a gente beijava a mão de todos, pedia a benção de todos os tios e de todos... Do nonno, da nonna. A gente tinha esse costume. Os meus pais então seguiram e nos criaram assim. Porque a gente procurou criar também os filhos assim.
Já é uma tradição.
Quem educava os filhos? Quem educava mais, quem é que ralhava mais com os filhos? É sempre a mãe. A mãe que fica mais em casa. E o pai era muito bravo? Não, de jeito nenhum. Eles não precisavam gritar com a gente, nem nada. Um olhar. Bastava um olhar, a gente já entendia o que eles queriam dizer. Você ia visitar, ia fazer uma visita, não são como as crianças de hoje em dia que mexe, corre... Sentadinho. E olha, só o olhar, a gente já sabia que não era para se mexer daquele lugar. E o seu pai era músico? Músico.
O que ele tocava? Contrabaixo. Aonde? Ele tocava nas rádios e ele tocava na Rua Direita. Era uma confeitaria que eles tinham música. Como era o nome da confeitaria? Ela chamava-se Bar... Confeitaria Bar Viaduto. Era muito chique. Então, o meu pai tocava lá. Então, nas óperas no Teatro Municipal, quando eles iam com orquestra. Inclusive um tio meu, irmão dele era músico também. Tocava contrabaixo. Mas, ele era muito bom. Meu Deus. A mãe, sabe, ficava mais com a gente né? Nunca nós apanhamos. Nunca, nunca, nunca. Nem eu, meu irmão e nem meus primos que moravam todos juntos. Das minhas tias e dos meus tios. Mas era assim, eles educavam assim a gente. Era um olhar, bastava um olhar, você já entendia e obedecia. (risos) Quantos irmãos eram? Seus? Um só, eu tinha. Só um irmão mais velho do que eu. Mas, quantas criança tinham na casa? Uma tia minha tinha duas meninas. A minha outra tia tinha uma outra menina e a minha mãe, dois. Eram cinco crianças. Havia religião... Sim. Nós sempre fomos católicos apostólicos romanos. Praticantes. Na hora do almoço, o meu avô fazia aquela oração. Todos rezavam. Na hora da janta também, a gente agradecia a Deus. Depois, a gente ia comer.
E qual era a reza na hora das refeições? Tinha algumas outras práticas religiosas comuns nas famílias? A gente ia muito a igreja. Missa. Que igreja vocês freqüentavam? Eu freqüentava muito a igreja Bom Jesus do Brás porque nós morávamos mais perto de lá. Depois, quando eu mudei para cá, que fazem 18 anos, a gente começou mais aqui na capelinha que é a Nossa Senhora Casaluce, que foi o meu avô que trouxe a imagem... Conta essa história. O meu avô, pai da minha mãe, quando ele imigrou da Itália para cá, ele trouxe essa Santa porque ela é uma tela. Mas é uma réplica, porque o original está na Itália. A história dela é que ela foi pedir a ajuda em uma noite muito fria, de chuva, abrigo para os padres, para os frades. Ela era uma moça...
Ela era uma moça comum. Uma moça do povo, né? E ela foi bater na porta dos padres, mas como só havia homem, só padre, eles achavam que não ficava bem ficar com a moça... Então, levaram para o convento das freiras em Casaluce. As freiras acolheram, ela estava precisando de ajuda, estava com fome. Eles acolheram, deram comida, deram roupa para ela porque ela tinha se molhado com a chuva e deram um quarto para ela dormir, repousar. E foram deitar. No dia seguinte, de manhã, elas foram chamá-la para o café. Mas quando elas chegaram lá, ela não estava mais. (choro) Até me emociona. Porque ela tinha deixado essa tela da Nossa Senhora... Que é essa imagem... Não era uma imagem de gesso, de madeira, nada. Era uma tela pintada. Então, ela estava em cima da cama. Estava tudo arrumadinho... Milagre. Tinha sido a Nossa Senhora. E ela deixou a tela para as freiras. Então, puseram o nome de Nossa Senhora de Casaluce, porque a cidade chama-se Casaluce. Quer dizer, Casa de Luz. Em italiano é Casaluce. Luce é luz. Agora, os padres começaram a falar que não. Porque a Santa tinha aparecido primeiro lá. E ficou essa briga como está até hoje. Até hoje. Eles construíram a capela, a igreja dela lá em Nápoles e quando o meu avô veio para cá com esses dois amigos dele... São dois, ou três, eles trouxeram a réplica. E fizeram um santuário pequenininho aqui no Brás. E aí começou. Fizeram uma capelinha e foram trabalhando, casaram-se. Depois, os filhos ajudaram e fizeram a capela.
A senhora sabe aonde era essa capela? Aqui mesmo, na Caetano Pinto. Na Rua Caetano Pinto, número 608. Era aqui. Era uma casa pequena. Aí, depois no tempo da guerra, ficou fechada porque fecharam. Ficou fechada. Eu sei que foi por causa do tempo da guerra, mas eu não sei porque. Depois de muitos anos, foi reaberta. Aí, veio o padre Antônio Fusari para cá. Um padre italiano também. Aí, nós começamos a trabalhar, fazer festa, trabalhar. Conseguimos fazer uma igrejinha. Dessa igrejinha, conseguimos fazer uma maior porque fomos comprando as casas do lado. Hoje, nós temos salão de festa, temos cozinha grande, tem a escolinha das crianças. Compramos do lado, fizemos a casa para o padre. Mas, faz seis anos que o padre Antônio Fusari foi transferido para Lins de Vasconcelos, para Santa Margarida Maria. E veio o nosso padre José Jesus que está há seis anos aí e também é um amor. É muito delicado, muito bonzinho, muito humilde, uma pessoa muito humilde. E assim, a gente vai trabalhando...
E tem muitos fiéis? Tem. Tem bastante. E no início quando fizeram a primeira capelinha, quem freqüentava? Freqüentava... Como eu disse, tinha muito espanhol e italiano, eles freqüentavam a igrejinha. Espanhol também? Também. Freqüentava. Até hoje, freqüentam. Porque ainda tem muitas famílias espanholas aqui. Por causa do Metrô é que desapropriaram muita terra, muitas residências e o pessoal já se espalhou um pouquinho para cada lugar. Mas, tem gente que vem de longe para a festa aqui. Vem assistir missa aqui. Gente que foi para outros bairros. Bastante espanhol, como italianos, porque nós temos gente de nacionalidade espanhola que trabalha com a gente. A Santa é italiana, mas gostam. (risos) Mas, fora as atividades religiosas, a sua família costumava viajar? Não. Era muito difícil naquela época. Bom, eu nem havia nascido.
Eu sei o que eles contam né? Era piquenique. Eles iam muito para Santos, mas iam de trem. Você chegou a ir? Não, não cheguei. Inclusive tem uma foto do meu avô, da minha avó, todos os meus tios, meus primos, todos, sabe? Eu ficava assim na areia... Não é que nem hoje. Eu sei que era piquenique, mas um piquenique na Pascoela, porque a Pascoela é um dia depois da Páscoa. O domingo de Páscoa, é Páscoa. Era na segunda-feira. Então, eles iam para qualquer lugarzinho aqui do interior, de trem... Eles iam muito para Cantareira e eles arrumavam tudo. Eles faziam mais coisas além das da Páscoa, porque o que sobrava era para levar para esse piquenique. Então, chamava-se Pascoela.
É uma tradição italiana? É, Pasquella. O que quer dizer isso? É um dia depois da Páscoa. Porque eles se reuniam todos e faziam esse piquenique. Levavam tudo que tinha sobrado da Páscoa. E quais eram as comidas tradicionais? Elas faziam de tudo. Era cabrito, frango, porco, pernil. Tinha de tudo. As comidas italianas... Não tinha aquela pomba de massa assada e recheada com um ovo inteiro? Não, isso aí eu não me lembro. Não lembro se tinha. E eles falavam muito... A gente falava Pascoela. E a gente costumava no dia de Natal, ou então na Páscoa, no fim de ano, almoçava toda a família junto, depois a gente jogava....
Hoje, dizem bingo, né? A tômbola. E a gente jogava com as castanhas, não era dinheiro. Era castanha-do-pará, nozes, avelã. Era isso que a gente apostava. (risos) Era gostoso. A gente era criança, mas a gente gostava porque ficava aquela mesa enorme, a família inteira... Porque juntava todo mundo nesse dia. Ai, nossa, acho que tinha umas 50 pessoas, que eram todos irmãos. Minha mãe tinha muitos irmãos. Esses, muitos filhos, então eles iam passar tudo com a minha avó, entende? Eu sei que... Por isso que eu te falei, as casas eram alegres. Hoje em dia já não, um vai viajar para um lado, outro vai viajar para outro. As família quase nem se reúnem. Não é verdade? É verdade. Principalmente na noite de Natal, né? E a nossa árvore ficava tudo junto. Então, isso era alegre. Hoje em dia não tem. É muito difícil.
Como é que era o Natal de vocês? Ah, passava todo mundo junto. Então, embrulhava os presentes, punha em baixo da árvore porque a gente acreditava em Papai Noel. Naquela época, né? Já era grande e acreditava em Papai Noel. E escondia a gente lá e depois da meia-noite mandava ir para a Árvore de Natal e todo mundo pegava os seus presentes. Era uma alegria. E no dia 6 de janeiro. era Dia de Reis. A gente colocava o sapatinho ou então uma meia porque aí eles colocavam o presente lá dentro. Também tinha presente no Dia de Reis.
De novo? De novo. Era no Natal e Dia de Reis. Dia de Reis. Então, ficava doidinha para colocar o sapatinho, procurava o sapatinho melhor que tinha. Então, quem não tinha o sapatinho, pendurava uma meia, pendurava assim para eles colocar o presente. (risos) E vocês festejavam também o dia do nome de cada um? Ah, sim. Sim, sim, festejávamos. Inclusive com essas festas de rua, que juntava todo mundo e a gente podia fazer fogueira porque não era asfaltado, era tudo paralelepípedos na rua. Não, mas aí é festa junina. Estou dizendo santos importantes, não tem um santo do dia... Ah, não, isso não. Só no dia do aniversário. Agora, quem tinha o nome de Antônio, quem tinha o nome de João, aí a gente festejava.
Pedro... Aí festejava. Fazia aqueles balões, os mais novos, os moços, meus primos, meu irmão, que já eram mocinhos, faziam aqueles balões enormes. E podia soltar. Você olhava no céu você não via o céu. Você só via balão. Nossa E durante o dia. A gente preferia durante o dia porque você via o modelo. Sabe? Cada um era uma forma diferente. Entendeu? Uma estrela, um palhaço... Tinha muitas coisas. E aquele colorido. Nossa, você não via céu, você via só balão. (risos) E durante o tempo de estar fazendo os balões como era na família?
Ah, ficava nas casas, cada um nas casas, reunia os moços e faziam nas mesas com aquelas colas de farinha, com os papéis de seda, fazia aquelas tochas. Se reuniam tudo e faziam. Depois soltavam tudo junto. Era muito bonito. Era muito bonito mesmo, viu? A gente não tem e nem pode ter hoje em dia por causa de tanta firma, tanta coisa. É diferente. E seu pai, como músico, conseguia sustentar uma família inteira? Conseguia, conseguia. Dava porque nós nunca fomos, assim, pessoas ricas. Sempre pessoas mais humildes que vivia do trabalho. E ele sustentava. Olha, deu estudo para o meu irmão, eu estudei, nunca faltou nada para a gente. A minha mãe costurava. Sempre de domingo eu tinha um vestidinho novo porque ela fazia, né? Para mim, para as minhas primas. A gente sempre tinha roupinha nova porque ela ficava na máquina, que eu tenho até hoje a máquina dela. Tenho até hoje. Costuro na máquina da minha mãe até hoje, que ela comprou quando era meninota.
Ela tinha, parece, 12 anos. Que ela ajudava uma cunhada que costurava, fazia chapéu, tudo. Os irmãos, ajudavam na despesa, é isso? Por que moravam muitas famílias, né? É assim. Nós moramos um bom tempo, como eu falei, eram 13 famílias. Então, no aluguel, na água, na luz... Naquele tempo não tinha telefone também. Quem tinha um telefone, quem tinha um carro - era automóvel, não era nem carro - tinha que ter muito dinheiro para ter. (risos) Era automóvel... Se não, não tinha não. (risos) Então, eles ajudavam nessa parte. Agora, as compras, cada uma comprava o que podia, punha lá e todo mundo comia e bebia. (risos) Junto, né? O serviço de casa também era dividido. Cada uma fazia uma coisa e ajudava. E os outros que moravam junto, trabalhavam em que?
Meus tios eram barbeiro... Um era barbeiro, o outro trabalhava na companhia onde a minha irmã trabalhava, depois foi diretor. Não me lembro do que é que era. Trabalhava também esse meu outro tio. Trabalhavam todos. As mulheres não. As mulheres eram só de casa, donas de casa. Agora você falou em escola, que todos estudaram. Conta dessa escola. Como é que foi a sua primeira escola? A minha escola foi um Grupo Escolar, Romão Puiggari, que fica aqui na Rangel Pestana, que ainda existe. Tem aqui na Rangel Pestana. Eu estudei lá, meu irmão também, o primário. Depois, ele fez o curso de Contabilidade na Escola 30 de Outubro, fez um outro curso, que agora eu não estou lembrada. Eu fiz a Profissional Carlos de Campos depois do... Que era uma escola que você fica o dia inteiro... Agora nem sei como é nessa altura do campeonato, que eu já estou com uma certa idade...
Profissional de que? Profissional Carlos de Campos. No Profissional nós aprendemos tudo em chapéu, bordado, costura, cerâmica, pintura, e tinha o primeiro e o segundo grau também, né? Então, era profissionalizante. Eles profissionalizavam tudo isso. Até cozinhar a gente aprendia, passar roupa, tudo. Não existe mais? Não. Eu não sei... Existe, é lá na Rua Oriente, mas eu não sei como está agora.? Eu sei que nós ficávamos o dia inteiro. Na parte da manhã, era a parte de ginásio, de colegial e à tarde eram todas essas atividades que a gente fazia. Por que tinha essa coisa de passar roupa, aprender a passar roupa? Para aprender. Para aprender, para a moça já sair uma dona de casa. Se precisasse, para fazer, já sabia.
Podia casar e ir sossegada. Tinha tudo, tudo, tudo. Você aprendia tudo. Como lidar com ferro, como lidar com a cozinha, com uma panela, como dá para fazer uma flor, uma pintura, uma cerâmica, um bordado. Nossa, a gente fazia aqueles bordados, você já ouviu falar? Que é desfiado. Você depois trabalha naqueles fiozinhos. Nossa, tem que ver. As moças, as noivas, iam nessa escola, encomendavam o enxoval todo porque naquela época não é como é agora. Era tudo bordado a mão, desde os jogos de camisola, os pegnoir comprido, eram tudo aplicações de renda, tudo com pontinhos... Chamava-se pontinho chinês, a gente falava, né? Tudo a mão, tudo pregado aquelas flores, aquelas coisas. Então, quando a menina era pequena já começava... Já, já. Então, elas encomendavam. Então, elas ensinavam, a gente já fazia, que era para aquelas moças que encomendavam já o enxoval todo lá. Os lençóis com aquelas barras bordadas.
Era muito bonito. Era coisa... Sabe? Então, espera aí, as moças encomendavam para as alunas dessa escola? Não, elas encomendavam na escola e as professoras que ensinavam a gente ensinavam já fazendo esses enxovais. Vocês aprendiam fazendo os enxovais. Nós aprendíamos fazendo o enxoval. Mas não pagavam nada? Para as alunas, não. Para o colégio? Para o colégio, sim. Para o colégio... Claro, o colégio deveria receber. Lógico, ele fazia coisas muito caras também, né? Tecidos finos, rendas finíssimas.
Mas, era o que você aprendia a fazer. Fazia aqueles monogramas nas toalhas, nas coisas. O que mais marcou você durante o tempo de escola? De escola? Sei lá, acho que essa aprendizagem toda que eu achava muito... Sei lá, eu gostava. Não só eu como as minhas amigas também que estudaram lá, porque todas as mocinhas iam. Então, eu acho que valeu muito para a gente. Do que é que você não gostava? Acho que é difícil do que eu não gostava, viu? (risos) Eu gostava de tudo. Fora isso, depois a gente costurava até vestidinho, coisas para as bonecas. Nós tínhamos 14, 15 anos e a cabeça da gente era assim, não tinha maldade, não tinha coisa de namorado. Não, não era, a gente fazia ainda vestido para as bonequinhas da gente. (risos) Punha purpurina, punha cola, punha purpurina, sabe? Era assim. E a gente gostava muito de dançar. Tinha muito baile, baile de escola, de formatura. Nossa, nós vivíamos nos bailes dançando, dançando muito. Como é que eram esses bailes? Baile de formatura... Não, tinha formatura... Que mais bailes?
Tinha... As escolas promoviam para arrecadar dinheiro para as formaturas também, né? Então, a gente ia, comprava aquele convite e ia nos salões, tinha a orquestra, com orquestra mesmo. Mas, aqueles bailes que a gente fica a tarde inteira. Ai que delícia (risos) À noite. Depois, eu me formei nova, logo fui trabalhar... Mas, aonde eram esses bailes? Nos salões daqui do... Você lembra que tipo de lugar? Tinha aqui no... Como chama aqui atrás da Catedral, na Praça da Sé? Tinha na Avenida Paulista o Clube Homs e tinha aqui... Não me lembro agora esse salão como era aqui. Aonde você falou que era? Atrás da Catedral. Palácio Mauá. Mauá. É, lá. Tinha o salão... Você não lembra o nome do salão? Eu acho que era Mauá mesmo. Se eu não me engano era Mauá. E tinha esse da Avenida Paulista que era o Clube Homs, que a gente ia muito também. Como é que se vestia para ir nos bailes? Ah, muito bonitinhas.
Aqueles vestidos rodados, godê, chamava-se godê guarda-chuva. Tinha que ficar em cima da mesa para acertar a barra. (risos) Porque senão era muito ruim, né? Porque era muito godê. Eu lembro que a minha mãe costurava, tinha que subir em cima da mesa e ela ficava em pé acertando a barra para ficar tudo certinho. Então, a gente ia sempre bem arrumadinha, de salto, sapato de salto, pintadinhas. E esses vestidos rodados. E usava também saiote por baixo, engomado. A gente gostava quando rodava que a saia rodava bastante (risos). Isso era gostoso, viu? E todo mundo gostava de ir com um vestidinho novo nos bailes.
E os de formatura eram os longos. Longo. Baile de formatura, que era no final do ano, começo de ano, como tem hoje em dia. Mas, era traje a rigor, era vestido longo e os rapazes de escuro. Aquele sapato preto... Smoking? Não precisava ser smoking, mas tinha que ser terno escuro, azul marinho ou preto. E sapato preto, meia preta, e a gravata borboleta e a camisa branca. Senão, não entrava, eles te barravam na porta. Você não entrava. Se ia com sapato marrom... Com colete? Não, não, sem colete. Só paletó abotoadinho, a camisa branca, colarinho bem durinho... Que músicas tocavam? Muitas do Ray Connif.
Ai, que músicas do Ray Connif Coisa mais linda, viu? E tocava muito bolero também naquela época, mas o que imperava eram as músicas do Ray Connif. A gente quando estava chegando que ouvia de fora, nossa, saía correndo. Mas, sempre ia a mãe, a tia, nunca ia sozinha nos bailes à noite, embora ia com irmão, primo para acompanhar a gente, mas sempre ia a mãe, a tia acompanhando a gente. Sempre. E se vocês não tinham carro, vocês iam do que? De trem ou de bonde? Nós íamos de bonde. (risos) Mas tinha linha noturna? Tinha. Nessas épocas tinha. Era elétrico o bonde? Era elétrico. E voltava de madrugada? De madrugada. Voltava de bonde, vinha brincando...
Às vezes, nós voltávamos até a pé porque eram tantos moços e moças juntas que a gente vinha com aquela alegria, cantando. Porque não havia perigo. Não havia perigo nenhum. Não tinha violência, não tinha nada. Você podia andar sossegada na rua a qualquer hora. Então, a gente vinha. Vinha conversando, conversando, conversando até chegar aqui no Brás. Falava: Ai, chegamos. Viu, não precisou pegar ônibus, nem carro, nem nada... Nem bonde, nada. Então, era gostoso, né? Era uma época muito boa, muito boa mesmo, viu? E no dia- a -dia? Você tomava bonde para ir para onde? No Centro. A gente ia no Centro de bonde. Passava aqui nessa Rua Piratininga, pegava a Avenida toda e tinha estribo. Estribo é que nem um degrauzinho que você pisa para depois subir no bonde. Ai, era uma delícia, viu? (risos) E tinha um fechado.
O camarão. O camarão era fechado, um bonde todo fechado e ele ia dar em um bondinho atrás. A gente falava bondinho. Ele puxava um outro menorzinho. Era igual o grande da frente e o menorzinho atrás. Então, a gente queria ir no pequenino. Vamos no camarão, vamos no camarão Ia tudo para o camarão, o bondinho. O grande era também vermelho. Vermelho. E o pequenino também. Vermelho. Só que era menor. Quando era o bonde aberto não tinha... Não, esse não. Esse não, esse não era camarão. O camarão que era fechado e tinha o bondinho atrás, que era igual, só que era menorzinho. Por que teria esse bondinho? Só para levar mais pessoal, né? É, mais pessoas. Era fechado, então dava para ir mais pessoas. A gente ia dar uma volta de bonde porque ninguém tinha carro. (risos) O passeio da gente era o bonde. Passeava de bonde.
E qual que era o percurso que o bonde fazia? Ah, fazia aqui Rua Piratininga, pegava a Rangel Pestana toda até chegar na Praça da Sé. Praça Clóvis, né? Que era mais aberto. Não era como é agora. Foi se modificando. Fizeram muitos viadutos, então modificou. Era uma reta, uma subida. Por exemplo, para ir para o Homs, chegando lá na Praça... Como é que você ia até o Homs que é na Paulista? A gente tomava o ônibus, outro ônibus ou o bonde. Outro bonde? Outro bonde. E o bonde tomava aonde para ir para o Homs? Atrás da, da... Na João Mendes. Na João Mendes. É. Tomava lá e tomava na... Para ir também para esse lado de Moema, esses outros lados para lá, os lados onde mais ou menos você mora, ia tudo de bonde. Pegava pela Liberdade, pela Vergueiro e ia embora. (risos) Mas, aí, suponha, para você ir até onde você trabalhou, subia a Liberdade, a Avenida Paulista e depois?
Ele ia lá por baixo onde tem o Detran agora. Entrava por aquelas ruas para sair já na Ibirapuera. Cortava, porque não tinha nem a 23 de Maio. Ele cortava assim, né? Porque podia passar. Agora já não. Agora tem que dar a volta, tem que passar por cima de viaduto, por baixo, porque está diferente. Lógico, né? Então, ele pegava a Ibirapuera e ia descer lá no largo de Moema. E quais eram as atividades fora da escola tradicional que você tinha? Você tinha algum esporte, alguma coisa? Não, nada. Algum clube? Não, não. Nunca fui de freqüentar clube, essas coisas não. Dancei bastante, mas freqüentar assim, clube, piscina não. Nós fazíamos muito piquenique também. Vivíamos fazendo piquenique.
O que levava no piquenique? A primeira coisa era ovo cozido. (risos) Se não tinha ovo cozido, não era piquenique. Até hoje, se eu for para algum lugar, a minha cunhada dá risada, eu vou fazer ovo para levar. (risos). Então vai, come, pode comer, leva um salzinho, a turma come. E levava... Tinha sanduíche de salame, levava salame, presunto, todas essas coisas, né? Queijo, pão... Eram as bengalas? As bengalas. Bengala de pão. E tinha pão de forma? Não, a gente levava as bengalas. Mesmo quando eu voltava dos bailes, a gente já passava na padaria, já trazia pão quentinho porque a mãe ficava em casa. Porque não ia todas as mães. A gente ia na casa de uma delas e ela já tinha o café pronto para a gente tomar. Vocês conhecem churros? As rodas...Aquelas rodas mesmo. Já existia? Já. Nossa, nós ficamos doidinhos para ir lá comprar. Ele trabalhava de noite como trabalha até hoje, que agora são os filhos, mas até hoje, uma freguesia aqui em uma travessa da Móoca. É, então em uma travessa da Mooca começou a fazer. É o churros. Tem. Então, você tem o cafezinho, sua média se você queria, o café, o chocolate e a gente mandava fazer as rodas de churros.
Então, a gente mandava fazer e trazia... Eles embrulham em um papel branco, depois em um jornal para não esfriar para você chegar até em casa. Que tamanho era? Nossa, assim É porque essa maquininha vai fazendo assim naquele tacho grande, redondo. Então, vai rodando, rodando, rodando... - É maior que uma pizza. Tem até hoje aí. E isso é dos imigrantes espanhóis? Isso. Era uma delícia, viu? Essa mesma que você está falando, ainda existe hoje? Existe hoje. Aonde? Aqui na Rua... Não sei se é Ana Neri... Não tem a festa de São Gennaro, naquela travessa? Naquela travessa. Tem até hoje. Se a gente for em alguma festa, se estiver em algum lugar que você vem de madrugada...
Hoje, todo mundo já tem carro, né? Já é mais difícil você depender de condução, de ônibus, todo mundo tem carro. Passa todo mundo com o carro lá. Já combina quando está saindo da... Até de festa que a gente tem saído de madrugada, já combina todo mundo lá. Vamos passar lá no churros. Vai todo mundo para o churros. Até hoje? Até hoje. (risos) Ou, então, vai pegar cedo para trazer para casa para comer. É uma delícia. Você se casou? Não, não casei. Já ficou noiva alguma vez? Não, só namorei. Eu não cheguei a ficar noiva. E aí, como é que foi o namoro? Ah, foi muito bom, né? (risos) Enquanto durou foi bom, depois não deu certo. Não deu certo, só Deus sabe, né?
E quando é que você arrumou o seu primeiro emprego. Eu arrumei o meu primeiro emprego com 18 anos. Em que? Colégio. Fazendo o que? Eu fui dar aula de trabalhos manuais na escola de segundo grau na Liberdade. Inclusive, tem uma passagem muito engraçada que eu estava esperando a professora da aula anterior a minha sair, para mim entrar...Era a primeira aula que eu ia dar. E eu estava no corredor porque a secretária falou para mim: A senhora quer esperar aqui, ou a senhora quer... Eu falei: Não, eu espero aqui no corredor mesmo. Aí, o pessoal foi a troca de aula...
Não era troca de aula ainda, saiu um rapaz da classe que eu ia entrar para o corredor e começou a fumar. Porque naquele tempo não se fumava em sala de aula. E um rapaz mais velho do que eu. Eu era novinha, eu tinha 18 anos. Aí, ele falou assim para mim: Ah, você não quer fumar” Eu falei: Não, obrigada. Eu não quero. Por que você não quer fumar? Eu falei: Porque eu não fumo. Você não gosta? Eu disse: Não, eu não gosto. Ele falou: Você quem é, que você está aí fora? Você é colega nova? Eu falei: Não, eu não sou colega nova. Então, o que você é? Eu sou a nova professora de artes. Olha, até hoje eu lembro que ele quase engoliu o cigarro.(risos) Porque ele ficou com tanta vergonha, mas eu era tão novinha, até mais nova do que ele, eu fui dar aula para o curso Normal. Então, ele ficou, sabe? Quis apagar o cigarro, quase se queimou. Aí, ele pediu desculpas.
Eu falei: Imagina, você não podia adivinhar, né? Mas, para você ver como havia um respeito naquela época. Bem diferente. Bem diferente. Nossa, até hoje, sabe, eu lembro que quando eu contei para as crianças, eles dão risadas. Parece os de hoje, né? Que não tem mais aquilo, mas eu graças a Deus, eu sempre fui respeitada. E como era o seu cotidiano quando você começou a trabalhar. Como é que a tua vida mudou? Mudou porque eu já... Eu, sabe, eu fui sempre assim de pensar muito para a casa. Eu tinha os meus sobrinhos pequenos, era a minha adoração porque o meu irmão casou-se e ficou morando junto com os meus pais. Fiquei acostumada de fazer isso, né? Porque nessa altura, os meus avós já tinham falecido, separamos dos meus tios e fomos morar sozinhos. Então, o meu irmão casou-se e o meu pai quis que ele ficasse junto com a gente.
E aí sabe, nasceu a primeira sobrinha. A tia, a tia coruja, né? Eu tinha adoração. Eu adorava comprar as coisas, eu vinha a pé da Liberdade até aqui, o Brás... Eu vinha comprando, comprando as coisas. Eu já tinha o meu dinheiro, porque os meus pais nunca quiseram nada. Sempre deixaram para mim, mas eu sempre me dediquei muito para a família e para a casa. Então eu peguei amor a isso porque eu já, sabe, eu fazia o que eu queria. Com o meu dinheirinho, com o meu trabalho. (risos) Por que a senhora vinha a pé da Liberdade para o Brás? Porque tinha muita loja na Liberdade, então eu já vinha. Eu já saía do colégio que era na Liberdade. Como é que chamava o colégio? Esse que a senhora trabalhou primeiro. Eu não me lembro desse colégio. Eu não me lembro. Fica perto da Casa de Portugal, naquela casa... O salão, nós íamos dançar muito na Casa de Portugal. Nossa Era do lado da Casa de Portugal o colégio, mas eu não me lembro qual o colégio. Foi o primeiro quando eu comecei a trabalhar. Depois, eu fiz o curso de secretária do MEC.
Eu estudava o dia inteiro também, para eu poder tirar o registro. Era difícil ter alguém com o registro de secretária. Difícil. Era só auxiliar, a turma ninguém tinha registro. O registro, o número do registro do MEC, né? Ministério da Educação e Cultura. Então, era gostoso. Eu já comecei a ganhar o meu dinheiro. (risos) O que a senhora fazia com o dinheiro que ganhava? Ah, comprava umas coisinhas para mim e para o pessoal de casa. Como eu falei, eu sempre fui muito caseira. Gostava de comprar... Eu vinha cheia de presentes, como até hoje, viu? Eu estou velha, mas eu não estou assim também. Podendo, minha filha... Porque hoje não dá muito, né? Você já aposentada, a vida modificou muito, mas se eu pudesse, eu andava a pé todo instante. (risos) Comprando e presenteando. Você sempre morou aqui no bairro? Sempre. Eu nasci aqui.
O que mais você gosta nesse bairro? O que mais te encanta? Olha, eu não sei se é por a gente estar há tantos anos, a gente ter tantos amigos. É que nem uma família. A gente tem aquela confiança, apesar de ter mudado muito o Brás. Não só o Brás, todos os lugares. Com essa vinda do Metrô acabou muito com o Brás. Depois aqui, eles colocaram o Cetrem, S.O.S. Criança, agora colocaram uma parte da Febem, lá para trás, na Rua... Sabe, não é mais aquele Brás de antigamente que havia quase só moradia, né? A Rua Piratininga achava-se casas de ferro velho, eram espanhóis. Muitos ferro velhos, tinha muitas casas de máquinas, de coisa. Mas, eu gosto porque eu nasci aqui, eu me criei. Eu estou com 65 anos, eu completei. Então, eu gosto, a gente cria raiz. (risos) Se eu for para outro lugar, não sei se a gente vai se acostumar, não sei. Antes, te encantava que todo mundo se dava? Ah, sim, sim. E aí, mudou com o Metrô?
É com o Metrô. Com o Metrô e com essas unidades disso... De Febem, de S.O.S. Criança. Veio tudo para o Brás. Não sei, veio tudo aqui só para o Brás, o Brás. Então, mas a gente tem as amizades e gosta. Eu me sinto bem. Muita gente foi embora? Muita gente. Muita. Teve gente que até faleceu que estavam acostumados aqui, então sentiram muito. Mudaram e faleceram? Faleceram. Por que eles tinham que mudar? Por causa do Metrô. O Metrô desapropriou. Mas, foi muita desapropriação. Nesses prédios novos que fizeram, no fim acabaram fazendo esses prédios. Tem tanto terreno e os apartamentos são pequeninhos, pequeninhos. Quer dizer, desapropriaram tantas coisas e não...
Aqui, nesse jardim... O Metrô que deveria ter um jardim, a gente tem medo de passar por causa da violência. Porque tem a Cetrem, isso, aquilo, então tem, muita gente de fora, muita gente que fica na rua. Que não são todos, mas dá medo. Dá medo. Você não... Tem muito assalto. Aí, nesse Metrô teve muito assalto. Então, a gente fica com medo, né? A senhora conheceu alguém que foi desapropriado? Conheci. Conta. Como é que foi a história? Ah, eles tinham as casas que construíram, compraram com sacrifício. Porque aqui nunca foi um bairro de, assim, rico, né? Sempre foi classe média para pobre do que para rico. Então, fizeram tudo com sacrifício, as casas. Depois que estavam tudo acomodadinhos veio o Metrô e thium. Manda embora. E não deram o que tinha que dar. Não? Não. Deram, mas não o valor que... E demoraram para sair? É, demoraram, né? Mas, o Metrô construiu. Eles conseguiram tirar, mas se viesse alguma coisa que fosse favorecer o bairro e tudo, mas não.
Fizeram só esses prédios aí pequenos, caríssimos e pequenino. Uma família grande não dá para ficar. Mas, um casal se tem um casal de filhos pequenos, ou uma pessoa sozinha... A senhora viu de perto alguém que foi desapropriado? Sim. Mesmo na Martim Buchard Eu morava na Martim Buchard e vizinhos meus e todos que foram lá para a Paes de Barros, outros para o Belém... E baixou o padrão deles de vida, ou não? Muitos eu não encontrei mais. Os que eu encontrei, está a mesma coisa, mesma coisa. Parece que não melhorou nada. A gente tinha muitas esperança com esses prédios novos, inclusive na igreja, eu falava: Vai lotar a igreja. A igreja vai ficar pequenina. Era pequena, mas eu não sei... Parece que... Eu não sei. Eu sei que ficou bem diferente. E a violência, mas a violência você encontra em qualquer lugar. Resumindo, você acha que o bairro, depois do Metrô, mudou para pior, é isso?
É, mudou. Você acha que é por causa do Metrô? Não é só por causa do Metrô. É com essas, como eu te falei... Essas unidades disso... Tem essas unidades da Febem, o que eles fazem com esses meninos, né? Essas rebeliões, o que fazem, tudo. É lugar aqui no Centro... Qualquer Centro colocar... Tem que levar para longe, em um lugar mais, não é? Mas, vem por dentro da... Que nem o S.O.S. Criança da esquina da Piratininga com a Rangel Pestana, do lado é escola. Eles estão dentro da escola, Da janela do S.O.S., eles vêem toda a escola, do Grupo, de todas as crianças. Um mês, uma criança ela se atirou lá de cima. Caiu dentro do Grupo, uma menina que quis se matar, que quis sei lá o que... Que eu nem quis saber, eu nem quis ir ver. Eu estava lá porque a minha sobrinha mora lá na esquina do prédio lá. E lá se vê tudo. E o comércio?
Como era o comércio aqui no Brás e como é que é hoje? O comércio é como eu te falei, antes tinha muito ferro velho, agora tem muita casa de máquina. Tem só casas de máquina, quase não tem residência nessa Piratininga. Agora, um comércio para a gente ter um supermercado que deveria ter, um shopping, nós não temos. Não? Não. Aqui só mercadinho, essas vendinhas pequenas, açougue assim, você tem que ir na avenida, ou na Móoca. Aqui deveria ter um shopping grande, ou então um supermercado bom. Mas, aqui no Brás não tem fama de ter roupa muito barata? Roupa? Roupa tem, mas é para lá da porteira. Na estação, Rua Maria Marcolina, isso tem. Conta as história da porteira. Essa porteira era gozada, porque ela passava assim na Rangel Pestana, vindo da Avenida Celso Garcia... Aliás, da Rangel Pestana lá da cidade, da Praça da Sé. E vai para a Penha, para o Belém, então, a gente tinha que passar na porteira, de bonde.
Mas os trilhos do trem eram bem saltado assim para fora. Então, o bonde passava no trilho e fazia bloom. Passava a noite e fazia bloom. Até passar tudo aquilo, custava. (risos) Aí tocava o sininho, o alarme que o trem ia passar. Ah, se vocês soubessem o medo que nós tínhamos porque aí era perigosíssimo. Imagina, olha que coisa, que atraso né? Mas era assim. Então, eu me lembro que a gente ia muito na igreja Nossa Senhora da Penha. Tinha que tomar o bonde aí na avenida. Nós morávamos aqui na Campos Sales. E quando ia para passar a porteira, uma já olhava para a outra, sabe? De medo. Ah e agora? E se vir o trem? Ai, meu Deus. E se vir o trem? Não vai dar tempo. Olha, eu vou te contar, viu? Era um sacrifício. E a porteira demorava para abrir? Demorava porque... Ficava tudo parado. Ficava tudo parado para o trem passar. Às vezes, passava esse trem de carga, aí não acabava mais de passar. Ficava tudo parado. Não tinha condição. Por isso que fizeram o viaduto que é por cima da estação e já cai no Largo da Concórdia que é na Rua Maria Marcolina onde tem o comércio. Aí, tem um bonito comércio, um grande comércio de roupas que agora, quem está tomando conta são os coreanos. Tem muito coreano. Estão vindo para cá para o bairro? E o comércio era de quem, você sabe? Era mais das pessoas de... Como se fala? Árabe... Turco. Os turcos, tinham muitas pessoas.
Agora não. Agora tem mais coreano. Chinês, coreano... Tem muito coreano. Para que serviam as porteiras? Era onde o trem tinha que passar. Então, ele passava no meio da avenida porque ele vinha de outro lugar, de longe, de Santo André, de Pirituba, ele tinha que cruzar a avenida. Então, a avenida era muito movimentada. Passava bonde, passava ônibus, passava carro, passava tudo. E tinha duas mãos. Eram duas mãos. Era uma confusão. Acontece que a avenida aqui, a porteira aqui, ele tinha que passar. Ele vinha daqui e atravessar a avenida. Tinha que fechar a porteira. Fechava e era de madeira. E quem fechava? Ah, eles tinham os senhores lá que fechavam. Mas, era de madeira. Então, eles iam correndo para fechar, precisa passar o trem. Aí, o trem passava. Olha, para passar tudo isso... Aí quando passava, quando não vinha mais, eles vinham e abriam. E aí, passava tudo. E nunca houve acidente? Não, que eu lembre, não.
Graças a Deus, nunca, nunca, nunca. Você vê que eles já faziam com antecedência quando via que... Já se comunicava com o trem, não sei. Eu sei que a gente morria de medo. (risos) E as fábricas, haviam fábricas? Sim. Nós tínhamos o Matarazzo que é de latas, tinha o Matarazzo para lá do gasômetro que era de macarrão, farinha. Tinha a fábrica de cigarros. Tinha a fábrica de cigarros Souza Cruz, ainda tem uma unidade aqui em baixo. Fábrica de cigarro Souza Cruz, que mais que tinha? Estava cheio de fábricas também por aqui. Que nem o Matarazzo, já foi embora. Não tem ninguém. Inclusive, falaram... Enorme, aqui perto da igreja, na Caetano Pinto, que queriam fazer um presídio aí. Ai, olha, foi um tal de fazer abaixo assinado, eu falei: Só faltava um presídio aqui. Conseguiram impedir, mas agora sei lá, sabem? No começo, eu falava: Nós temos que correr todo mundo daqui. Você já pensou ter uma cadeia aí.
Que nem o Carandirú. É enorme. Só faltava um Carandirú aqui. O que a senhora lembra dessa época das indústrias? Como era? Eles passavam na hora do almoço e às 18:00. Na saída. Na saída. Agora, a Souza Cruz deixava... Ultimamente não, mas deixava um cheiro muito forte de fumo e cigarro. Mas, a Souza Cruz já foi embora, mas já não tinha mais esse cheiro porque vinham aqueles bichinhos do fumo. Uns bichinhos que voavam assim e vinham. Um bicho do fumo? É, um bicho assim. Ele é durinho, sabe? Marronzinho. Sei lá. E entrava nas casas? Entrava. Entrava nas casas. Tinha que tomar cuidado porque eles entravam, eles invadiam. Não pedia licença não. (risos) E ninguém fez nada para reclamar? Ah, reclamaram, reclamaram. Havia associação de bairro, alguma coisa? Sim, havia. E eles reclamaram. Inclusive, eles começaram a trabalhar à noite e o barulho das máquinas... Aí, também fizeram todo um abaixo assinado.
Porque não tinha condição, o barulho da noite é pior, né? Porque fica aquele silêncio e as máquinas só trabalhando, era um barulho insuportável. Me diz uma coisa, você lembra de alguma atividade em praças? Havia alguma praça legal, onde todo mundo ia passear? Não. O único passeio, a gente passeava na avenida mesmo. Antes de fazer o viaduto quando tinha a porteira. (risos) Então, o passeio era lá, das moças e dos rapazes. A que horas se fazia esse passeio? Ah, era das 19h00 até às 21h30, 21h00 porque às 22h00 você tinha que estar em casa, né? Chamava o que? Footing? Footing. Footing. Nós tínhamos aqui na imigração, não sei se vocês conhecem, aqui na Rua Visconde era a escola de Aeronáutica. E eles usavam aquele uniforme azul e o apelido deles, os alunos, era os Coca-colas. Por que Coca-cola? Não sei porque na época puseram esses nomes. Eu sei que eram os Coca-colas. Então, o passeio era esse. Eles ficavam encostados nas paredes assim, porque tinha tudo lojas, tinha a Loja Americana na avenida. Tinha muitas lojas, então eles ficavam na parede e as moças iam e voltavam, ia e voltava. Esse era o passeio da gente.
Como se namorou Eu nunca namorei um Coca-cola porque eu não gostava. Olha, as minhas amigas... Nossa, como namoraram os Coca-colas. E tinha bastante namoro. Era gostoso, né? Gostoso. E tinha cinema? Tinha. Tinha cinema até na Piratininga, aqui. Como é que se chamava? O Cine Ideal e lá na Rangel Pestana, do lado do Grupo, o Piratininga. Mais para cima, lá para a Celso Garcia tinha o Cine Universo. Aqui na Radial tinha na Rua da Móoca, o Cine (Roba?), no gasômetro tinha também. O (Bandel?) era no Largo da Concórdia. Era... Ai, eu não me lembro agora. Não me lembro. Eu sei que tinha também salão de baile lá em cima. Às vezes, eles faziam baile lá em cima. Lá no gasômetro? É no gasômetro. Era um cinema em baixo... Ai, como era o nome do... (Hawks?) também era lá em cima, Universo, o (Bandel?) era no Largo da Concórdia, o Ideal era aqui na Piratininga, o Roma na Rua da Móoca, tinha bastante cinema. Piratininga ali. Ai meu Deus, como era o do... Ai, eu não me lembro agora, não me lembro.
E que filmes vocês assistiam? Era filme em série de bang-bang, em série e de um chinês chamado Fu Manchu. (risos) Era em série. Então, você toda semana que você ia passava um capítulo. É que nem as novelas que passa na televisão agora. Era assim. Você ia no outro domingo e passava outro capítulo. Então, você ia acompanhando, ninguém queria perder. (risos) Mas, eram cinemas matinais, ou era... É, não. À tarde. E não tinham outras sessões para crianças? Tinha, era infantil. É, e nós íamos à tarde porque a gente gostava de Fu Manchu. (risos) Era muito bom. Por isso que eu falo que o que eu conheci aqui, principalmente na Piratininga, tinha esse Cine Ideal, nossa, eram todos os vizinhos. E segunda-feira, todo mundo ia no cinema, segunda-feira à noite. Então, todo mundo já tinha sua...
Porque se encontrava todo o pessoal, todos os vizinhos iam assistir esses filmes bonitos, bons que tinham. Então, em cada fileira já tinha um dono. (risos) Eu não sentava naquela fileira porque era da fulana. Eu sou da família da ciclana. Era gostoso, era muito gostoso. Quando era carnaval, eles faziam baile de carnaval. A gente ia dançar também no carnaval nesse cinema. Se fantasiava, como era? Fantasiava e ia dançar. Naquele tempo, essa pêra, sabe essa pêra amarelinha que é docinha? Era na época de carnaval, a gente chamava de pêra de carnaval. Por que? Porque era na época de carnaval que tinha bastante e eles ficavam na porta do salão com esses carrinhos, cheio dessas pêras. Amarelinha, docinha. Que delícia, viu? E na segunda-feira, o pessoal ia cedo porque começava cedo. Passava tanto filme em série também. Começava às 18h00, parece.
À noite também passava? À noite passava. O pessoal às 18h00 já estava todinho na porta e como era cedo levava um lanche. (risos) Todo mundo levava lanche no cinema. Comia durante o filme mesmo. Mas no intervalo a gente ia comprar doce. Chocolate, bala e durante o filme todo mundo comia lanche. (risos) Lanche do que era? Lanche? Ah, de presunto, queijo, salame, o que vinha ia. (risos) Era gostoso, era uma delícia. Alegre, né? Todo esse pessoal já foi embora, já modifica.Mas, eu ainda gosto daqui. Não fala em mudar daqui porque eu fico triste. (risos) Agora, você tem muita atividade na história da igreja, né? Na igreja, na igreja. Conta qual é o seu cotidiano nesse envolvimento com a Casaluce? A Casaluce... Nós somos... Como tem aquela tradição da família, que foi o meu avô que trouxe a imagem, depois ficou muito tempo separados, cada um para um lado. Quando eu vim morar aqui é que está mais pertinho, né?
Morava na outra rua que dava mais para a avenida, ai eu e a minha cunhada, meus sobrinhos todos, começamos a nos dedicar nas festas porque nós temos uma festa durante o mês de maio, que nós temos o mês de maio todo com barracas, com show, com palco, restaurante der rua, com danças típicas, tarantela, tudo músicas italianas e muitas barracas com bastante comida italiana. Agora, nós somos uma base de umas sete, oito senhoras principais que são as mamas da Casaluce, da Igreja Casaluce, como a São Gennaro tem, a Achiropita tem, a São Vito. E nós somos da Casaluce. Então, a gente vai trabalhar desde a quinta-feira. Se dedica. Nós fazemos o antepasto, cortamos muitas caixas de berinjela, pimentão verde, vermelho, cebola, alho, fazemos todo aquele tempero, deixamos de um dia para o outro. Na sexta-feira, a gente vai, tira um pouco, que é aquele vinagre e a berinjela solta mais água. Então, tira um pouco daquela água e vai secando um pouco nas panelas, no fogo industrial, nos fogões industriais, aqueles caldeirões grandes. E depois coloca no formo essa berinjela.
Quando ela sair do fogo a gente termina de temperar, põe o azeite, põe o orégano, põe as azeitonas grandes e deixa até no sábado ir para a barraca e servir no restaurante da rua porque a gente fala restaurante da rua. Põe as mesas onde tem o show, né? E cada uma das mammas têm uma barraca na rua, fora o pessoal que vem trabalhar, que são mais de 200 pessoas nas outras barracas. Tem de lingüiça calabresa, tem churrasco, tem fogazza. A minha é de pizza. Tem macarrão, tem doce... A senhora fica na barraca de que? A minha é de pizza. Tem o macarrão, tem doce, tem todo tipo de doce italiano, né? Então, é uma atividade grande. E fora isso a gente faz muitas coisas. Faz jantar, faz noite de pizza... Fora esse mês. A gente promove, então faz muitos eventos. No dia de São Roque a gente vai para São Roque, lota os ônibus e vai para São Roque... Por que São Roque? Porque é dia de São Roque, dia 16 de agosto. E é festa na cidade de São Roque.
É feriado lá. Padroeiro da cidade. É. O dia... Mas, por que vocês vão para lá? Porque a gente é devota também a São Roque, como católicos que somos, então a gente vai assistir missa lá. É missa campal. Eu passo o dia lá. Todo o dia porque é festa na cidade. E a tarde, sai às 16h00, sai a procissão dele. Mas é a coisa mais linda do mundo. Vocês nunca viram? Não. Tem a Nossa Senhora... O andor da Nossa Senhora, que é feito uma coisa... E o São Roque. O São Roque é grande, mas eles põem que nem uma carroça assim com umas rodas, uns pneus e o povo é que carrega. Mas, como eles enfeitam é a coisa mais linda do mundo. Soltam fogos, vai o prefeito, vai aquelas crianças de escola, sabe? É tudo ladeira e eles fazem aqueles tapetes de serragem. Quando você chega de manhã eles estão fazendo. Tudo colorido por onde a procissão vai passar. Então, todas as igrejas assim vão e a gente promove também isso aqui na igreja. Então, a gente ajuda muito o padre em todas essas coisas, fazemos bazar, vai arrecadando as coisas, faz paninho de louça, pinta, faz um tricô, um croché, uma coisa para o bazar.
Cada uma faz uma coisa e a gente... Então, tem essa atividade com eles. E a minha família toda, meus sobrinhos que são os filhos do meu irmão, a minha cunhada, vem todos. Olha, a minha barraca é a minha família. (risos) Voltando um pouquinho, lembra de alguma coisa importante que aconteceu que marcou durante a construção do Metrô? Uma coisa interessante. Não, não era assim interessante. A única coisa que ficou muito marcada era o pessoal que teve que largar as suas casas, depois eles derrubaram. Aquilo deu muita tristeza, de ver toda aquelas casas, aquelas ruas e ruas. E teve desvio de trânsito, falta de água, falta de luz... Não, não aconteceu nada disso. E as lojas que ficavam no caminho disso tudo, o que aconteceu com elas? É, porque não eram assim lojas de roupa, né? Era mais assim ferramentas, tinha muita residência... Derrubaram? Derrubaram tudo. Foi tudo para o chão. Por isso que isso deu muita tristeza.
A gente esperava que... Bom, vamos ter uma bonita praça onde a gente possa passear ou as crianças possam brincar. Mas, infelizmente não aconteceu nada disso. Você se lembra das viagens iniciais do Metrô? Você fez alguma viagem? Quer dizer, logo para experimentar o Metrô, tal? Não, não fui logo não, não tive aquela curiosidade de ir logo. Daí nós fomos para conhecer, mas já tinha passado um tempinho, né? A passagem do Metrô trouxe algum benefício para o bairro? Eu acho que sim e acho que não, porque facilitou vim de outros lugares, que é rápido, mas também vai muito lotado. Você de manhã não consegue. Você quer tomar o Metrô aqui no Brás para ir para a cidade, para ir para o Jabaquara, você não consegue. Não, não dá. Não dá. Quer dizer, facilitou tudo, a volta, é rápido, mas tem horas que não dá não. Hoje, com quem que você mora?
Com a minha cunhada, esposa do meu irmão. E como é que é a sua rotina hoje em dia? Normal. (risos) E que eu já conversei com você isso antes, mas ainda não gravou, né? Como é que é o dia a dia, uma vida a duas em uma casa gostosa como essa? A gente continua no mesmo sistema de sempre, quem cozinha, quem lava, quem limpa, quem pode fazer, faz. Quem vai para a feira, quem não vai, né? Uma fica, a outra vai, às vezes vamos as duas juntas, domingo os filhos dela, que já casaram, estão aqui com a gente e o que mora mais perto, inclusive, está todos os dias aqui. Ele vem aqui, ele, a nora dela, e ela também vai muito, que eles moram aqui na Piratininga. Então, continua a nossa vidinha... Mas, aquela união da família italiana continua... Continua, continua, com os filhos. Perdi meu irmão faz 11 anos, mas aqui em casa continua a mesma coisa.
Um espera o outro para almoçar... O que eles fazem, os seus sobrinhos? Um deles é analista de sistema na Sabesp, trabalha já há muitos anos. E o outro é do Ibirapuera, onde faz os eventos, ele é professor de educação física. Esse outro... Os dois são professor de educação física, são formados em... O Alfredinho de... Como é que eu falei do... Analista de sistema, o outro tem outro curso também. Eles têm dois, três cursos superiores e ele faz essa parte dos eventos, é um dos diretores lá do Ibirapuera na parte de eventos. No Ibirapuera, os dois, né? São os dois casados... E tem crianças? Tem. Esse mais velho...
A menina já tem 21 anos, está se formando em Fisioterapia e o menino fez 16 agora, está no segundo grau, terminando o segundo grau. E do outro, que é lá do Ibirapuera, a menina está se formando advogada e o outro menino pequeno tem 10 anos de diferença, está no primário ainda, no primeiro grau ainda, que é pequenino, está começando. As duas são professoras, as noras, né? As duas professoras... Então, a família continua sempre junto, sempre, sempre unidos. Inclusive, com a família delas mesmo, elas se unem a nós também, as irmãs dela e tudo. Que coisa boa É, é muito bom, viu?
É muito bom, estamos sempre juntos. Você já foi para a Itália? Não, não fui. Gostaria de ir, mas não fui, nunca... Que lição que você tirou de toda essa experiência de vida que você poderia deixar registrada aí? Lição, a que meu pai passou. (risos) Ser sempre uma pessoa honesta, direita, andar sempre direitinho... (choro) Emociona, né? Emociona. Que a gente não se arrepende. Ele sempre falava: Meus filhos, vocês andem sempre direitinho. Vocês andem sempre com gente melhor do que vocês. Não vão atrás de besteira, de bobagem, que vocês nunca vão se dar mal, vocês vão ser sempre queridos. Então, foi o que eu aprendi com o meu pai, minha mãe e passo isso. (choro) E o que é que você gostaria ainda de fazer na vida?
Qual é o seu sonho? Meu sonho? Meu sonho é ver os sobrinhos-netos formados, com a sua vidinha já construída, realizados, bem realizados, porque eles seguem a mesma orientação que meus pais passaram para nós, meu irmão passou para os filhos e os filhos estão passando para os filhos deles, né? Para os netos. Então, graças a Deus, são exemplares. Não desprezando ninguém, eles são muito educados, são conscientes das coisas, são muito bonzinhos. Então, gostaria de vê-los realizados também. Porque estão crescendo, a mais velha já está com 21 anos, está se formando em fisioterapia. Meu sonho agora é ver as crianças formadas e já encaminhados na vida, que, graças a Deus, o meu sobrinho...
Fui muito feliz, não casei, mas tenho eles como mais do que filhos. Quantas vezes eu passei por mãe deles porque eles estavam sempre agarrados comigo, né? Eu sempre fui meia cheinha assim e a minha cunhada sempre magrinha, elegante, então passava ele por solteira e eu por casada. (risos) Eles estavam sempre do meu lado. Então, eu não tive, mas é como se tivesse porque para mim eles são a minha vida. Tinha só esse irmão, que nem tenho a minha cunhada. Eu adoro a minha cunhada. Ela sempre respeitou meus pais. O primeiro dia que casou, entrou na minha casa, ela já chamou a minha mãe de mãe, meu pai de pai, sempre respeitou e eles também sempre a respeitaram.
Prova que nós estamos até hoje junto. São 51 anos casados, já pensou? E estamos juntas, né? (risos) Uma faz companhia para a outra. É assim. Então, é um exemplo de vida que nós aprendemos o que os pais ensinaram para a gente. A gente aprendeu e estou satisfeita, e passo isso para eles também, para andarem sempre direitinho que... Como a senhora gostaria que o bairro fosse daqui há uns 20 anos? Assim, um bairro mais... Como é que eu poderia te falar? Mais assim residencial, menos violento, não só aqui, mas como todo o bairro, eu gostaria que terminasse um pouco essa violência, né? Que a gente poderia sair sossegado, deixar os filhos saírem sossegados porque a gente não tem sossego. Sai um filho, um sobrinho, uma pessoa, você está sempre preocupada porque o perigo existe em todo o lugar. É no carro, é no ônibus, é na rua.
Então, eu gostaria que não tivesse mais tanta violência, não só aqui como nos outros bairros também para que o povo pudesse ser mais feliz, porque o povo não está sendo feliz. E fisicamente, o que a senhora imagina nos prédios... Como é que a senhora acha que pode ser para o futuro, como gostaria que fosse? Como eu te falo, mais residencial, mais prédios, né? Mais pessoas amigas, pessoas de boa índole, que a gente pudesse ter amizade e continuar como era antigamente. (risos) É isso. Mas, não está tão ruim também assim. A gente ainda tem as amizades boas, que conserva, que a gente conserva, mas eu gostaria que melhorasse mais ainda, para o futuro, para os que vem vindo agora. (risos) Tem mais alguma coisa? Não filha, não. Está tudo certo. Deu para contar a história do bairro? Deu, deu sim. Deu. A senhora não anda de Metrô? Já andou? Já.
A senhora lembra a primeira vez que a senhora andou de Metrô? Eu falei para a Marina, eu não fui logo que eles inauguraram não, não fomos logo assim, né? Passou um pouquinho. Também não muito, acho que um mês, um mês e pouco é que a gente foi. Gostei porque é um transporte rápido, gostoso, limpinho, mas é um transporte que também você não é qualquer hora que você pode tomar porque tem dias, horas, que você não entra. E se você entra, você é capaz de sair pela outra porta porque te empurram tanto, não é verdade?
Na hora de pico, né? Está sempre lotado. Mas, facilitou bem a vida do pessoal que trabalha, que tem pressa. Então, facilitou bastante. Facilitou. É pena que aqui no Brás eles não têm uma praça que você possa passear, uma praça melhor. Mas, não é ruim não. Qual é a praça que tem aqui? Tem? Não tem. Não tem nenhuma, né? Nós estávamos com esperança saindo o Metrô, porque eles... Uma praça boa, bonita, o pessoal pode passear com as crianças, mas não tem condição. Não tem condição. A gente tem medo. Mas, também, acho que não é só aqui, né? É geral. É geral. Então, é geral, não dá. Então, se eu posso evitar de tomar o Metrô eu evito. (risos) Não pelo Metrô em si... Mas, pelo...
Só de chegar até lá. O Metrô em si, tudo bem, está uma beleza. Rapidinho você chega nos lugares, né? Você vai daqui no Jabaquara no... Não é verdade? Na rodoviária você chega logo, em um instantinho. Antigamente, você tinha que dar uma volta. De carro, de ônibus. De Metrô não, você chega em um instantinho. Quer dizer, facilitou, muito bom, mas em parte. Tem suas partes boas e tem suas partes ruins. (risos) Eu queria agradecer mais uma vez a ajuda que deu para nosso projeto. Eu fico contente de poder ajudá-las.
O que vocês precisarem de mim eu estou às ordens no que for possível. Fui muito gostoso. Recordar é bom, né? Nem fale se é bom, recordar é muito bom. Parece que a gente está vivendo tudo outra vez. Foi muito bom, muito bom. Obrigada dona Myriam.